12 de abril de 2010

O que Luiz Tatit compôs e Zélia cantou, talvez, pra nós.


Eu ia saindo, ela estava ali
no portão da frente.
Ia até o bar, ela quis ir junto.
"Tudo bem", eu disse.
Ela ficou super contente.
Falava bastante,
o que não faltava era assunto
sempre ao meu lado,
não se afastava um segundo
uma companheira que ia a fundo.
Onde eu ia, ela ia.
Onde olhava, ela estava.
Quando eu ria, ela ria.
Não falhava.
No dia seguinte ela estava ali
no portão da frente.
Ia trabalhar, ela quis ir junto.
Avisei que lá o pessoal era muito exigente
ela nem se abalou
"o que eu não souber eu pergunto".
E lançou na hora mais um argumento profundo
que iria comigo até o fim do mundo.
Me esperava no portão.
Me encontrava, dava a mão.
Me chateava, sim ou não?
-Não.
De repente a vida ganhou sentido
companheira assim nunca tinha tido.
O que fica sempre é uma coisa estranha
é companheira que não acompanha.
Isso pra mim é felicidade
achar alguém assim na cidade
como uma letra pra melodia
fica do lado, faz companhia.
Pensava nisso quando ela ali
no portão da frente
me viu pensando, quis pensar junto.
"Pensar é um ato tão particular do indivíduo"
e ela, na hora "particular, é? duvido"
E como de fato eu não tinha lá muita certeza
entrei na dela, senti firmeza.
Eu pensava até um ponto
ela entrava sem confronto.
Eu fazia o contraponto
e pronto.
Pensar assim virou uma arte
uma canção feita em parceria
primeira parte, segunda parte
volta o refrão e acabou a teoria.
Pensamos muito por toda a tarde
eu começava, ela prosseguia
chegamos mesmo, modesta à parte
a uma pequena filosofia.
Foi nessa noite que bem ali
no portão da frente
eu fiquei triste, ela ficou junto.
E a melancolia foi tomando conta da gente
desintegrados, éramos nada em conjunto.
Quem nos olhava só via dois vagabundos
andando assim meio moribundos.
Eu tombava numa esquina
ela caía por cima
um coitado e uma dama
dois na lama.
Mas durou pouco, foi só uma noite
e felizmente
eu sarei logo, ela sarou junto.
E a euforia bateu em cheio na gente
sentíamos ter toda felicidade do mundo.
Olhava a cidade e achava a coisa mais linda
e ela achava mais linda ainda.
Eu fazia uma poesia
ela lia, declamava.
Qualquer coisa que eu escrevia
ela amava.
Isso também durou só um dia
chegou a noite acabou a alegria.
Voltou a fria realidade
aquela coisa bem na metade.
Mas nunca a metade foi tão inteira
uma medida que se supera
metade ela era companheira
outra metade, era eu que era.
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Zélia Duncan - por Luiz Tatit

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